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Monolito

Coisas que não são desse planeta

Existe uma sensação que só acontece quando observamos certas coisas, ela é bem distinta, mas definitivamente além da compreensão. Geralmente ela ocorre quando presenciamos a morte de um ser, seja um animal ou uma pessoa. A sensação de alerta que transborda na cabeça, é como um zumbido mudo, algo que suga a atenção completamente.

Era essa a sensação que tive quando me aproximei daquela estrutura fincada no meio da praia. Era um bloco negro, longilíneo e alto, com quase cinco metros de altura. Ele parecia ter sido colocado ali com toda a delicadeza do mundo, para nunca mais ser retirado. A areia cedia ao seu redor, como se sabendo seu lugar na hierarquia gravitacional daquele lugar. Era como uma faca enfiada no meio da praia, não se sabe por quem nem por quê.

Quando fui dormir no dia anterior ele não estava lá, agora o sol nasce por detrás da sua silhueta. Algo grita na minha mente além do zumbido: “isso não é humano.”

Essa ideia me faz estremecer, como lidar com um fato impossível, mas que se impõe na sua frente como esse bloco negro? Era um monolito, deixado ali por sabe se lá quem, sabe se lá para quê. Isso me aterrorizava, o zumbido dava lugar ao medo, como uma corrente elétrica fazendo o meu cérebro entrar em curto.

Por mais que tente, é muito difícil desviar o olhar, a pedra parece absorver tudo ao seu redor. Como algo que sempre estivesse ali, de onde vem essa sensação? É a sensação de olhar para algo sagrado, mas não sagrado para mim. Mas sim algo que pode me consumir por inteiro por puro acaso.

Tento fechar os olhos, é pior, o zumbido aumenta e minhas mãos ficam dormentes. Abro os olhos de novo, o sol está nascendo, só que vermelho. O céu está limpo, só que vermelho. A água está cristalina, refletindo um amarelo doentio. Tem algo errado, o zumbido aumenta mais ainda, parecendo uma cascata sobre minha cabeça.

Isso precisa parar. Eu preciso fazer isso parar.

Respiro fundo, caio de joelhos na areia áspera. Mais monolitos começam a surgir no resto da praia, com diferentes tamanhos e formatos, mas por todo o lado. Por algum motivo sinto que tem mais deles embaixo d’água, povoando tudo.

Aos poucos o primeiro monolito começa a crescer e mudar de forma, talvez seja a minha visão já alterada pela náusea que o zumbido causa. Ele começa a dançar na minha frente sobre o céu sangrento, escorrendo de um lado para o outro, mudando. De repente, do centro da pedra negra surge um caule vermelho, que quebra a superfície lisa do bloco e cresce em direção ao céu como um braço.

Do caule nasce uma flor — O zumbido cresce, agora ensurdecedor. — Não há escapatória, ela floresce em uma mistura de amarelo e violeta, abrindo suas pétalas encrostadas de caroços que mais parecem dentes alienígenas. Um olho surge do centro da flor, o zumbido racha minha cabeça.

Acordo, suado e apavorado. Ainda um pouco zonzo saio da cama e vou até a mesa, abro o caderno onde anoto os meus sonhos e tento desenhar aquilo ao lado do sonho da noite passada. Meus sonhos têm sido cada vez piores ultimamente, mas sempre desaparecem com o passar da manhã.

Ao abrir a janela me deparo com a mesma cena, os monolitos na praia, o céu vermelho e o mar em um amarelo doentio. Os monolitos agora caminham com suas raízes pela areia.

Barulho
Aqui não há espaço para homens quebrados